31 julho 2025

*Pandora*

Ao ler "Pandora" na lista de temas do nosso Largo da escrita, pensei imediatamente na famosa caixa. A terrível caixa de Pandora, o risco de a abrir, e os seus dois primos: o Rubicão e o Plano Inclinado.

Pensei também numa entrevista de Zizek em 2016, pouco antes das primeiras eleições que levaram Trump à Casa Branca. Nessa altura, Zizek pensava que uma vitória de Trump seria positiva, porque viria sacudir profundamente todo o sistema, obrigando-o a repensar-se e a limpar-se dos muitos vícios acumulados.

É uma questão interessante: que fazer quando tudo parece estar a desmoronar-se? Acelerar o processo para chegar o mais depressa possível a algum outro lado? Abrir a caixa de Pandora, atravessar o Rubicão, meter-se pelo Plano Inclinado a duzentos à hora? Atirar gasolina ao fogo, na esperança de que uma fénix renasça das cinzas, purificada e liberta?

Sinto-me nos antípodas dessa afirmação de Zizek em 2016, e 2025 confirma os meus temores: acelerar deliberadamente processos históricos de retrocesso civilizacional não nos leva a fénix alguma.

Porque, quando a caixa de Pandora se abre, não há consenso sobre o seu conteúdo: para uns, é o mal que se espalha pelo mundo; para outros, é o início de um tempo novo, em que sentem que são compreendidos, podem enfim dizer livremente o que lhes vai na alma, e recuperam tudo aquilo a que sempre tiveram direito. Atravessa-se o Rubicão para chegar à terra prometida, essa que é só para os nossos. Acentua-se o declive do Plano Inclinado para mais rapidamente separar o trigo do joio. Os outros? Que se lixem.

A fénix purificada pelo fogo é uma ilusão. Do outro lado do fogo, o que nos espera não é a fénix, mas as ruínas do bem que, com gestos frágeis e incertos, tentámos inscrever na História.

E teremos apenas as nossas mãos, feridas e nuas, para recomeçar penosamente o caminho rumo a mais humanidade. E trabalharemos nos escombros. E teremos por companhia aqueles que a caixa de Pandora envenenou. --- Outras companheiras deste Largo: A Curva
A Gata Christie
Boas Intenções
Gralha dixit
O blog azul turquesa
Panados e Arroz de Tomate
Quinta da Cruz de Pedra


30 julho 2025

férias passadas

Apontamentos de férias repescados do Facebook, do Verão de 2019.
1.
O prédio Coutinho ainda aberto, e o Natário fechado...
Mesmo assim, Viana do Castelo continua a encantar.
2.
- Oh que linda troca de olhos -
A caminho da praia, naquele cruzamento onde já se sente o mar, espero para deixar passar um tractor conduzido por um lavrador velhinho que leva o seu cão empoleirado sobre a capota do motor. Tudo está certo neste momento: o ar pimpão do bicho, o ar sereno do lavrador. Sorrimo-nos. Depois eles vão à vida deles e eu à minha.
Pena não ter tirado uma fotografia daqueles dois. Contado, não é a mesma alegria.

3-
- barriga, perna e glúteos-
Ir do Rodanho à Amorosa com a água pelos joelhos, ou mais acima, ou mais abaixo, conforme as ondas.
Insularidade é isto: viver a mais de 2000 km do meu Fitness Studio favorito.



4.
E depois, no caminho para casa, encontro um senhor a vender melões casca-de-carvalho. Enquanto me escolhe dois, conta-me novidades da nossa freguesia. Ainda agora vendeu um melão ao carpinteiro, e mais à viúva não sei quê...
Ao cliente seguinte contará de certeza que ainda agora vendeu dois melões para a Alemanha. E bem se engana: um é para o Porto, mas escuso de lhe contar a minha vida toda. Conto só cá entre nós no Facebook... 5.
Podia falar da luz doce que ontem envolvia o Porto, ou da alegria de ver ouriços no castanheiro que plantámos no verão passado, ou dos abacates enormes na árvore que me acompanha ao pequeno-almoço, ou do marulhar das ondas, ou deste meu torpor de lagarto ao sol.
Mas são apenas os ganhos colaterais desta viagem a Portugal. A alegria maior está nos encontros com os amigos - e sabe sempre a pouco. Portanto...

6.
Depois de quase um mês em Portugal, regresso a Berlim. Vou e venho, venho e vou: estou sempre em casa.
Obrigada a todos os que em Portugal me oferecem o enorme presente de me fazer sentir uma pertença. Se fosse preciso definir Heimat, era por aí.
7. Deixa cá ver o que posso fazer para o jantar... (cozinha fusão: abacates e limões do Minho, tomates e rúcula berlinenses)

29 julho 2025

notas de viagens

Nos meus apontamentos de viagens no Facebook repete-se muito a palavra "paraíso". Das duas, uma: ou aprendo outras palavras, ou começo a frequentar sítios menos, lá está, paradisíacos... Há cinco anos, foi assim:







E como se não bastasse, está um tempo impecável.
(Por enquanto, claro.)
Primeira paragem: meter gasolina.
Depois: aonde o coração nos mandar.
(Sim, bem sei que estou a fazer figura de deslumbradinha, mas deslarguem-me, que isto não me acontece todos os dias)





Almoço no paraíso. Depois os rapazes mergulharam, e vieram à tona a gritar que estamos numa corrente fria. Lembrei-me logo que os portugueses têm digestão, e nem entrei na água. Estou a vê-los chegar à ilha.

Está-se bem.

(Não sei o nome desta ilha. Sei apenas que saímos de Brest, fomos na direcção de Ouessant, e parámos a meio. Fica em frente a uma outra ilha que foi recentemente repovoada com famílias jovens que se dedicam à agricultura biológica e à criação de ovelhas.) --- E para a amiga que me pediu ideias para passeios no Finistère bretão, escrevi isto:
* Ando numa de Enclos Paroissiaux. Ainda hoje vi dois fabulosos: Guimiliau e Lampal-Guimiliau. Mas sendo para vocês, talvez o melhor seja verem Pleyben - particularmente o Calvário com dezenas de figuras (o Calvário é uma espécie de presépio português a contar as histórias do Novo Testamento) e dentro da igreja as sablières (frisos em madeira ao longo da parede, entre o fim da parede e o princípio do tecto - esculpidos com cenas da vida quotidiana, mais monstros e bizarrices - um festim!)
* A caminho de Finistère, espreitem a ilha da capela de Saint Cado em Belz. É muito bonitinha.
* Concarneau
* Pont-Aven e Le Pouldu - seguir a passagem de Gauguin. O filme no museu de Pont-Aven é muito interessante (o museu também é muito bom). Em Le Pouldu reconstruíram a casa onde moravam os artistas, inclusivamente as pinturas que eles lá fizeram (adorei)
Perto de Pont-Aven também tem as ostras de Belon, que podes comer em mesas corridas num bosque por cima da ria. Um lugar de sonho. E se tiveres sorte os figos da figueira ao lado da loja já estão maduros, e se calhar dão-vos alguns.
* Locronan (escrevi um post sobre isso - lê, e conta aos teus filhos as histórias do Saint Ronan - torna tudo muito mais interessante)
* Também gostei imenso de andar em char à voile na praia de Plomodiern / Saint Nick
* Um dia na Île de Batz, perto de Roscoff (e Roscoff, claro). Na ilha, procurem as praias de areia na zona virada a Oeste.




27 julho 2025

de paraíso em paraíso

 

Lembra-me o Facebook que há um ano e uma semana estava num lugar absolutamente paradisíaco na Dinamarca. Uma das localidades mais bonitas do país (não conheço as outras, mas confio cegamente em quem me deu esta informação). A dormir no camper no parque de estacionamento de um palácio, em frente ao mar, com casa de banho pública limpíssima.









E há um ano, neste mesmo dia, escrevi assim: Isto ultimamente é só paraísos na minha vida. Depois do fim-de-semana na Dinamarca, vim para Lisboa, e logo no primeiro dia de férias fui vom amigos a Sesimbra acender milhões de minúsculos luzeiros no mar. Às onze da noite estávamos todos na água, e cada gesto abria pontinhos de luz à nossa volta.
Esqueçam a Dinamarca, e vão a Sesimbra.
Se forem com bons amigos, melhor ainda.
(A câmara do meu telemóvel transformou a espantosa luz clara daqueles bichos em manchas vermelhas. Nada mais errado. Mas vão lá ver, vão lá ver a luz que nasce das vossas mãos)





arduamente

Lembra-me o facebook que por esta altura, em 2011, estava a trabalhar arduamente...





Arduamente, aquilo que se chama "arduamente", não seria. Era mais um caso de alegremente: estava a traduzir a Viagem a Tralalá, de Wladimir Kaminer, na Quinta de Santa Eufémia. Portanto: ouro sobre azul. Muito ouro sobre muito azul.





26 julho 2025

Christopher Street Day em Berlim

 


Hoje é Christopher Street Day em Berlim.
Por toda parte, multiplicam-se sinais de aceitação. Desde este carro que limpa as ruas e, como é tradição no marketing da empresa, tem um trocadilho divertido, passando pelas escadas do metro do Parlamento, com o arco-íris pintado nos degraus, até à bandeira do arco-íris içada no Conselho Federal (o Bundesrat).

E eu, que até sou cis, hetero, e católica, sinto-me feliz por viver numa cidade que mostra ter espaço para todos - com alegria e convicção.

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Este ano, não há bandeiras do arco-íris hasteadas no Parlamento Federal (o Bundestag). A presidente proibiu, alegando que era por uma questão de neutralidade, e o chanceler Merz ainda conseguiu ir mais longe: disse que o Bundestag não é uma tenda de circo.

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Vi em San Francisco, há uns bons 25 anos, que a pastora de uma igreja protestante no sopé de Twin Peaks, à entrada de Castro, mandou pintar na torre: "God loves all her children".

Vamos, por agora, ignorar aquele "her", e passar à questão central: na Alemanha, o partido que tem "cristão" no nome esquece-se demasiadas vezes de que a base da mensagem cristã é o amor que Deus tem por todos os seus filhos.

Todos, todos, todos.

Por igual.

conteúdos ideológicos (2)

Ainda a propósito da decisão do ministério da Educação de tirar "conteúdos ideológicos" da disciplina de Cidadania, e tentando chegar ao essencial:

No princípio da minha adolescência, passava os intervalos entre aulas a conversar com uma amiga. Andávamos no recreio para lá e para cá, muitas vezes íamos de braço dado. Um dia, do meio de um grupo, uma aluna atirou-nos: "vocês são lésbicas!" Como se atira uma pedra.
No princípio da sua adolescência, a minha filha contou-me que os colegas da turma se riam de um deles e lhe chamavam "hermafrodita". Avisei a mãe do miúdo, que me disse depois que o filho já estava habituado e não se importava.
Será que não se importava realmente? A filha de amigos meus foi vítima de bullying na escola secundária, desenvolveu uma série de sintomas psicossomáticos, mas decidiu não contar nada aos pais para não os angustiar. A partir dos dez anos, a sua vida na escola foi um inferno quotidiano e vivido em profunda solidão.

Para identificar um inimigo contra o qual consiga arrebanhar eleitores, a extrema-direita inventou o fantasma da "ideologia de género", dos "woke", ou do "marxismo cultural". Como os monstros debaixo da cama: ninguém sabe o que são, mas dão muito jeito para meter medo. Diz-se que é preciso "proteger as nossas crianças dos perversos que as querem perverter".
No auge do delírio, os estrategas da seita MAGA inventaram o risco de um rapaz sair para a escola de manhã e regressar a casa feito rapariga.

Na realidade, o verdadeiro risco é este: uma criança sair para a escola de manhã e regressar a casa infeliz, insegura, e com ideias de suicídio. Porque a escola pode ser também um lugar de maldade, de muita violência verbal - numa altura de especial vulnerabilidade, nomeadamente em questões de orientação sexual e de vivência da sexualidade e da afectividade -, e de muito sofrimento para as vítimas.

Para os políticos, a questão essencial tem de ser esta: deixem as crianças em paz! É lamentável, é inacreditável e é imperdoável que um governo faça concessões à direita ultra-conservadora à custa do bem-estar das crianças.

Nenhum governante pode chamar "amarras ideológicas" à responsabilidade da escola em promover um ambiente de convívio são, onde ninguém seja perseguido ou estigmatizado por qualquer motivo, e em particular pela sua orientação sexual ou identidade de género.

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Recomnedo muito a leitura deste texto de Adriano Batista: 
Cidadania: "amarras ideológicas" ou uma arma de arremesso político?

trufas!

 


Estava a pensar começar uma série chamada "problemas de quem tem".
O primeiro: tenho uma trufa inteira.
Alguém me ensina o que fazer com ela?
(para já, está embrulhada em papel, dentro de um saco de papel com arroz)
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Já se está mesmo a ver: pessoas a enviar-me a morada delas em três... dois... um...

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A verdade é que - não sei se vos diga, se vos conte - nem sequer gosto muito de trufas.
Sim: dá Deus as nozes...
(por acaso, também não como nozes)
Um dia que tenha tempo, hei-de começar a investigar o fascinante tema dos Inconseguimentos Divinos.
(e agora é que vão vir paletes de moradas...)

24 julho 2025

conteúdos ideológicos (1)

 

Agora que o ministério da Educação decidiu tirar aquilo a que chama "conteúdos ideológicos" da disciplina de Cidadania, foram entrevistar o famoso casal de Famalicão que põe a sua ideologia muito à frente do bem-estar dos filhos menores. A sério: entrevistar conservadores de ideologia radical para falar sobre currículos da escola pública?! E, já agora, perguntar ao Epstein se acha bem a lei baixar a idade do consentimento para 12 anos? Perguntar ao Fritzl a sua opinião sobre usos legítimos das caves das moradias familiares? Será que vale tudo?
Sim: estou a falar de abuso de poder sobre menores, e da responsabilidade do Estado na protecção dos interesses das crianças e dos jovens.

A vantagem de ter um blogue avozinho é que funciona muito bem como arquivo nos casos em que a História se põe a pedalar sem sair do sítio. Em 2009, quando o escândalo do momento era a proposta de distribuírem preservativos aos adolescentes na escola, escrevi o que se segue (a partir de uma notícia do Público que entretanto já não está disponível). Na altura, fiquei muito bem impressionada por a comunidade das Testemunhas de Jeová não querer impor os seus valores ao conjunto da sociedade. Bem diferente do tal casal de Famalicão que não teve dúvidas em sacrificar os seus próprios filhos menores aos interesses do lobby ultra-conservador que serve.

Partilho o post, com ligeiras alterações:

19 de maio de 2009

[ Notícia do Público: ] As Testemunhas de Jeová, que em Portugal contam com cerca de 150 mil seguidores, lembram a importância da castidade até ao casamento, dizendo que, por isso, a distribuição de contraceptivos é indiferente. "Os nossos jovens sabem muito bem o que fazer, são criados e educados de acordo com aqueles valores, apreciamos muito a educação que Deus nos dá, vivemos de acordo com os valores que defendemos independentemente do que os outros façam”, esclareceu Pedro Candeias, também à TSF.
É isso mesmo: se, para mim, educar os filhos no valor da castidade é importante, só tenho que educar os meus filhos no valor da castidade - em vez de obrigar pessoas que têm outros valores a pôr os seus filhos na situação que me parece preferível para os meus, como se os meus valores tivessem de ser universais.
Parabéns à comunidade das Testemunhas de Jeová, que nos dá um belo exemplo de como estar numa sociedade plural sem perder a sua própria identidade e sem querer impor a sua visão do mundo aos outros.
Quanto ao caso em si, penso que a distribuição de preservativos nas escolas tem três vantagens: prevenir a gravidez de adolescentes, evitar a propagação de doenças sexualmente transmissíveis, e, sobretudo, divulgar e vulgarizar a ideia de que o preservativo é algo indispensável na sexualidade juvenil.
Não faz sentido que, em nome dos interesses de algumas famílias (que acreditam que os anjos não têm sexo e que os seus filhos adolescentes são anjos e portanto nem é preciso falar do problema), os outros adolescentes sejam privados deste apoio e desta pedagogia.

quem dança seus males espanta...

Comprei bilhetes para o Human Requiem que vai ser em Abril de 2026. Escusam de criticar: isto vão ser 9 meses em feliz expectativa.

Para retirar o máximo possível dessa encenação da Sasha Waltz, tenho andado a ouvir o Requiem de Brahms. Até o ter todo no coração.

Portanto: esta manhã, mais uma vez, abri o spotify e pus-me a ouvir a interpretação que Karajan deu a esta peça. No final, sem perguntar nada, o spotify continuou a dar-me música, e tem sido uma delícia. Esta aqui, agora mesmo.



Deve ser o universo a querer ser simpático comigo: com música dançada assim, quase nem reparo que o trabalho que tenho em mãos é das piores secas do ano - uma declaração de impostos.

22 julho 2025

binóculos de ver na terra curva

 

Dias há em que tenho mesmo pena de a terra não ser plana.
(preparem-se: vem asneira)
Por exemplo, daquela vez em que, no final de um jogo, no estádio ao pé da nossa casa, fizeram um fogo de artifício lindíssimo. Deixámos a televisão e corremos à varanda para tentar ver, mas só vimos o raio laser - nunca tinha visto um tão potente, aliás. Fogo de artifício, é que nicles.
Agora pergunto eu: se a Terra é redonda, porque raio inventam binóculos só de ver em linha recta? Isso é tão milénio passado!
Tantos Nobel, tantos Nobel, e ninguém inventa o que faz mesmo falta.
(eu preveni...)

18 julho 2025

música assim

 


Acabei de descobrir que a Khatia Buniatishvili vai dar um concerto na Filarmonia de Berlim em Dezembro.
Ainda não se sabe qual é o programa, mas os lugares mais caros (os lugares mais perto dela ao piano) já estão todos vendidos.
Ah, melómanos!...


(Uma vez vi uma entrevista dela onde falavam sobre os seus vestidos de concerto. Resposta: "Mas pensa que está no Irão, ou quê?")




"Geórgia"

 

Ontem foi dia de "Geórgia" na Enciclopédia Ilustrada.
Nunca lá fui, mas estava capaz de passar o dia a escrever sobre esse país. Primeiro post:
A #Geórgia e a Arménia são terras muito próximas do recomeço do mundo - o monte Ararat onde a arca de Noé ficou encalhada quando as águas desceram. De modo que é natural que haja competição para decidir quem foi o primeiro que fez isto e fez aquilo. A Geórgia insiste que foi quem fez o primeiro vinho do mundo, com uvas de videiras esparramadas pelo chão dos campos, envelhecido em ânforas enormes metidas na terra (as "qvevri", ou "kvevri").
Na Arménia conta-se que, quando Deus fez o mundo, chegou ao fim e descobriu que ainda tinha um monte de pedras no fundo do saco. Já estava cansado e muito farto de dar retoques no mundo inteiro, pelo que largou as pedras mesmo ali onde estava: em cima desse país. Não sei se é verdade, mas admito que seja mais suportável viver num sítio inóspito se o facto for visto como sinal da fragilidade de Deus e da sua presença concreta no lugar. “Coitado, já estava exausto quando se deitou aqui a descansar, ao sétimo dia, temos de ter paciência...”
Também me contaram que, quando vão à Geórgia, a estrada vai subindo as encostas daqueles montes imensos e, mal passam a fronteira, estende-se uma paisagem verde a perder de vista. Como se Deus se estivesse a rir dos arménios. Mas talvez não seja Deus, talvez seja a História, que, como se sabe, não é uma senhora recomendável: as fronteiras da Arménia são provavelmente aquelas que um povo ferido pelo genocídio conseguiu desenhar no braço de ferro com os poderosos vizinhos à sua volta. "Pffff, podes ficar com as pedras", terão dito esses vizinhos, imagino eu. E depois deitaram as culpas para Deus, que o divino sempre teve as costas largas.
Em todo o caso: não satisfeita com o troféu do primeiro vinho do mundo, parece que a Geórgia também arranjou de ficar com quase todo o verde da região, e desde que me contaram esta história, fiquei com enorme curiosidade de ir conhecer a Geórgia chegando pelo sul, pela estrada da Arménia. De facto, foi por causa desse contraste que a Geórgia se instalou no meu horizonte de desejos de viagem. E o palerma do algoritmo deve ter lido os meus pensamentos, porque ultimamente passa a vida a mostrar-me um vídeo para ir passar uma semana na Geórgia a aprender a cantar como eles. Só que entretanto fui ver o preço. Se calhar arranjo um professor de canto georgiano ali para os lados da Serra da Estrela, que fica muito mais barato e com dois ou três copitos daquele vinho do qvevri nem noto a diferença. Todos somos Geórgia!
(Eis, assim, como comecei a escrever um post sem saber aonde me levava, e acabei a desembocar numa mensagem de profundo humanismo: todos somos Geórgia...) (estou aqui, estou a habilitar-me ao prémio Nobel da paz)
E ainda falta dizer que a comida da Geórgia é uma delícia, pelo menos a avaliar pelo que comíamos no restaurante da cadeia de restaurantes Genatsvale, aonde fomos várias vezes quando andámos a filmar o ARtMENIANS em Yerevan, e onde fomos muito felizes.
(Eis, assim, como acabei de escrever um post que bem se podia chamar “Geórgia por um canudo, vista a partir da Arménia”)


Segundo post:

Dizer #Geórgia é dizer também Trio Mandili, e dizer Trio Mandili é, para mim, dizer aquela miúda saltitante, que vai puxando o burro por entre a que segura o telemóvel e a que toca o instrumento de cordas.
Pus a play list a correr, e de canção para canção fico cada vez mais encantada com a frescura e a alegria dela.
OK: delas.
(Dela)
Experimentem. Se ficarem como eu, aviso já: vi primeiro!


Terceiro post:



“In Bloom” é o primeiro filme da #Geórgia que me lembro de ter visto, e deixou-me uma impressão forte. Conta a história de duas amigas adolescentes em Tiblissi. Uma delas é raptada pelo homem que quer casar com ela – a política de facto consumado é uma tradição que, infelizmente, ainda persiste. E a outra, mais consciente de si própria, revolta-se com toda a situação e tenta convencer a amiga a voltar para casa, a não casar.
A cena da dança final, no dia do casamento, tem uma força inesquecível.
Depois da exibição fiquei a saber que é uma dança masculina. Melhor ainda. Grande miúda!




17 julho 2025

fatídico

 

17 de Julho: neste dia caíram quatro aviões - em 1996, 2000, 2007, 2014.
Se fosse aos cientistas que estudam os buracos no tempo e essas coisas (será que se notou que não sei do que estou a falar?), era capaz de ver aqui uma pista qualquer para investigar.

*terapia*

Na semana passada, o tema do Largo, aquele tal grupo de escrita, era "Terapia". Ando há mais de muitos dias a pensar o que posso dizer sobre um tema tão vasto. Não me apetece fazer confissões, não me apetece fazer de conta que sei do que estou a falar.

E eis que veio a poesia, e me salvou. (Salva sempre.)




"A parte de mim que é infinita". Lindo.

Para chegar a esse infinito, é preciso primeiro despejar todo o conteúdo das gavetas, escolher, destralhar, tirar o pó, e arrumar de novo - mas apenas o que interessa.

(Quem diria que o trabalho doméstico também salva?) --- As terapias delas: